Um determinado curso gratuito pela internet
propõe estratégias para solucionar os maiores problemas, segundo pesquisa
realizada pelo mesmo curso, enfrentados
pelos professores com os pais dos alunos: “63 % dos professores sentem como
maior problema a falta de interesse e participação dos Pais na aprendizagem dos
filhos; 25 % a falta de apoio dos Pais ao trabalho do Professor e 12 % os pais que não comparecem às Reuniões”.
Conforme fui lendo fui discordando,
discordando, até que me senti indignada e resolvi escrever para que fique
registrada minha indignação. Ao ler o
que o tal curso sugere, lembrei-me daquelas descrições etnocêntricas de História
do Brasil e da América quando os colonizadores brancos falavam e descreviam
sobre a preguiça dos indígenas.
Entre todas as estratégias que me indignaram,
quero aqui, analisar esta:
“Sugestão: No processo
educativo existem três personagens: Professor, Aluno, Família. Professor trace na
próxima Reunião Pedagógica as tarefas que cada um tem que cumprir durante o
Bimestre para que haja resultados favoráveis na aprendizagem do aluno.
Desta forma, ficará claro
qual o papel de cada um, será fácil cobrar todos os envolvidos e mensurar os
resultados. Dê uma cópia desta Lista de Responsabilidades para a Família e
outra para o Aluno.
Agindo assim o Professor
focará na execução da parte que lhe cabe e realizará apenas o monitoramento das
outras duas partes.”
Fiquei pensando o quanto o descrito acima
coloca o professor como superior aos outros dois personagens: família e aluno.
Tal superioridade lhe dá poderes como “traçar tarefas”, “cobrar”, “mensurar” e “monitorar”
os inferiores.
Além desta relação desigual, a tal “sugestão” divide a aprendizagem
do aluno em partes distintas dando a cada um a responsabilidade por sua parte
isoladamente e ao professor o papel de elo que promove a união dos três
personagens.
É interessante como ao mesmo tempo em que o
professor é elo e detém o poder, também é uma perna do tripé. No meu entender
tudo muito centralizado no professor e em uma visão mecanicista como se o
comportamento humano fosse um processo automático de ação e reação.
As palavras “cada um tem que cumprir durante o
Bimestre para que haja resultados favoráveis na aprendizagem” demonstra muito
claramente como o insucesso no aprendizado é relacionado a desestrutura ou à
incompetência da família em realizar seu papel de apoio pedagógico.
Será que os autores deste curso de orientação
aos professores nunca ouviram falar em democracia, diálogo, parceria, vínculo
afetivo, roda de conversa e outros vocábulos e práticas que devem fazer parte
numa relação entre pais, mestres e alunos?
Reunião Pedagógica com os pais? Sugiro que
comecem mudando o nome. Chamem de Encontro uma vez que o termo “encontrar”, faz
referência a “achar” – respostas, soluções ou problemas no campo que nos ocupa
-, deriva da verbalização da expressão in
contra. Assim, ”encontrar” é, literalmente, “topar com algo”. (Oculto das Palavras – Dicionário etimológico
para ensinar e aprender)
Aproveitem para criar um canal de comunicação
entre um ENCONTRO e outro e acolham os palpites e desejos dos pais sobre os
assuntos a serem discutidos para que os três personagens, juntos, aprendam e
convivam com a construção de um presente mais pacífico, mais humano e mais
participativo.
O tipo de Reunião Pedagógica preconizada pelo
curso de orientação e formação de professores é, sem dúvida, um grande
alimentador e perpetuador deste sistema de ensino elitista que vigora em nosso
país desde o século XIX.
Colocar sobre a família e o seu membro mais
novo a responsabilidade pelo aprendizado e desenvolvimento do educando é a
melhor maneira de continuarmos a ter um sistema educacional exclusivo que
descarta anualmente três milhões de jovens estudantes para fora da escola. Este
sistema perpetua a filosofia “filho de peixe, peixinho é”, assim como enche de
carros último tipo e caríssimos os estacionamentos das universidades públicas e
de carros velhos e ônibus as ruas das faculdades particulares.
Convocar a família para uma Reunião Pedagógica e
dizer a ela que é necessário se estruturar, se modificar, se ajustar e se capacitar
para auxiliar e acompanhar o aprendizado do filho, pois, caso contrário, sem os
três pés equilibrados nada poderá ser feito, assemelha-se ao gesto de Pôncio
Pilatos que “mandando vir água, lavou as mãos diante da multidão e declarou:
Sou inocente deste sangue, isso é lá convosco”. (Mateus 27:24).
Quem sabe esta é uma versão século XXI da
crucificação de nossas crianças e adolescentes em nome da não aceitação do
modus operandi da nova família que ora se configura.